A questão sobre o valor da força de trabalho na obra de Marx tem gerado uma literatura enorme que varia desde a crítica absoluta até a pura reprodução de suas idéias e observações. No entanto, pouca coisa de novo tem sido proposta no sentido de desenvolver este lado de sua teoria. Paul Swezy, por exemplo, afirma que “a força de trabalho não é uma mercadoria comum! Não há capitalistas que possam produzi-la quando seu preço se eleva” (1); que “no capitalismo de modo geral, o mecanismo equilibrador de oferta e procura está ausente no caso da força de trabalho” (idem); e que “parece haver certas dificuldades na aplicação da lei do valor à mercadoria denominada força de trabalho” (idem). Embora enuncie a dificuldade da questão , esse autor não contribui para sua superação. Outros autores como Michel Aglietta (2), por exemplo, procuram tornar a teoria de Marx mais completa, mas acabam por incorrer num certo ecletismo ao deixarem de tratar questões fundamentais dessa teoria, sem o que ela não pode ser desenvolvida. O que fazem, portanto, é criar outra teoria que se superpõe à de Marx, mas não a desenvolve a partir de sua lógica interna.
A compra e venda da força de trabalho é condição necessária para produção e reprodução do capitalismo industrial. Por um lado existe uma classe constituída por aqueles que não possuem propriedade sobre os meios de produção, a chamada classe proletária e do outro lado existe a classe que é composta por aqueles que possuem propriedade sobre os meios de produção, a classe capitalista. Para Marx (1983 apud CARLEAL, 1999), o ponto de partida lógico e histórico do capitalismo é essa disponibilidade de uma mercadoria especial, a força de trabalho da classe proletária. Tal disponibilidade decorre de um longo processo de expropriação que transfere para alguns a posse dos meios de produção impondo à grande maioria, entretanto, a condição de despossuído e logo, vendedor da força de trabalho ao capitalista.
Essa separação entre possuidor e despossuído dos meios de produção está na base da constituição dos mercados de trabalho. De fato, são condições fundadoras: a mercantilização da terra e da força de trabalho. A generalização da venda da força de trabalho e a dominância dessa prática como meio de obtenção da sobrevivência vai imprimir ao trabalho, forma a-histórica, a especificidade do capitalismo, qual seja, o trabalho assalariado.
Com base nisso, Carleal (1999) afirma que as condições de compra e venda da força de trabalho foram listadas inicialmente por Marx e centravam-se nos seguintes aspectos:
I. a força de trabalho só pode ser vendida no mercado se oferecida por seu próprio possuidor, pela pessoa da qual é força de trabalho;
II. é necessário que o possuidor possa dispor dela, que seja proprietário livre de sua capacidade de trabalho;
III. ele e o possuidor do dinheiro encontram-se no mercado e entram em relação um com o outro como possuidores de mercadoria, dotados de igual condições inclusive jurídica;
IV. o possuidor deverá vender sua força de trabalho por prazo determinado no sentido de que não pode perder sua propriedade sobre ela;
V. o possuidor da força de trabalho não pode vender mercadoria que encarne trabalho. Assim o dono deve encontrar o possuidor de força de trabalho livre dos meios de produção e livre para dispor de sua própria capacidade de trabalho (Marx 1983, p. 189-191, apud CARLEAL, 1999).
Com isso, ao venderem sua força de trabalho para os capitalistas, os trabalhadores devem ser remunerados com salários que possam lhes proporcionar os meios necessários para conservar e formar a mercadoria da força de trabalho. Para Marx, em O Capital, a força de trabalho deve ser comprada e vendida pelo seu valor. Seu valor, como de qualquer outra mercadoria, é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção. Assim, se o trabalhador demanda por um determinado tempo para a produção dos meios de sua sobrevivência, ele precisa trabalhar esse mesmo tempo para produzir sua força de trabalho ou para reproduzir o valor recebido por sua venda.
A mercadoria força de trabalho será destinada à produção de algum bem ou serviço mercantil num determinado tempo. O controle do uso do tempo vai exigir um conjunto de práticas organizativas e de controle dos trabalhadores. Marx argumentava que o capitalista necessariamente vai se afastar dos processos de trabalho sendo substituído por trabalhadores que personificam o capital. Logo, os trabalhadores podem ser operários, chefes de linha de produção ou da família de produtos, gerentes, administradores, diretores, etc. Ainda segundo Marx, a jornada de trabalho exercida por esses trabalhadores não é constante, mas uma grandeza variável. É verdade que uma das suas partes é determinada pelo tempo de trabalho exigido para a contínua reprodução do próprio trabalhador, mas sua grandeza total muda com o comprimento ou a duração do mais-trabalho. A jornada de trabalho é, portanto, determinável, mas em si e para si, indeterminada.
Para Marx, “ainda que não seja uma grandeza fixa, mas fluente, a jornada de trabalho, por outro lado, pode variar somente dentro de certos limites. Seu limite mínimo é, entretanto, indeterminável. Com base no modo de produção capitalista, no entanto, o trabalho necessário pode constituir apenas parte de sua jornada de trabalho, isto é, a jornada de trabalho não pode jamais reduzir-se a esse mínimo. Em contraposição, a jornada de trabalho possui um limite máximo. Ela não é, a partir de certo limite, mais prolongável. Esse limite máximo é duplamente determinado. Uma vez pela limitação física da força de trabalho. Uma pessoa pode, durante o dia natural de 24 horas, despender apenas determinado quantum de força vital. Dessa forma, um cavalo pode trabalhar, um dia após o outro, somente 8 horas. Durante parte do dia, a força precisa repousar, dormir, durante outra parte a pessoa tem outras necessidades físicas a satisfazer, alimentar-se, limpar-se, vestir-se etc. Além desse limite puramente físico, o prolongamento da jornada de trabalho esbarra em limites morais. O trabalhador precisa de tempo para satisfazer a necessidades espirituais e sociais, cuja extensão e número são determinados pelo nível geral de cultura. A variação da jornada de trabalho se move, portanto, dentro de barreiras físicas e sociais. Ambas as barreiras são de natureza muito elástica e permitem as maiores variações. Dessa forma encontramos jornadas de trabalho de 8, 10, 12, 14, 16, 18 horas, portanto, com as mais variadas durações”.
As condições nas quais a força de trabalho é transacionada, controlada e a escala de sua utilização se modificaram ao longo do desenvolvimento do capitalismo. Inicialmente, a venda da força de trabalho tem um papel reordenador das produções artesanal e camponesa, porém, em escala marginal ao lado do artesão, do mestre e do trabalhador agrícola. Em segundo lugar, a ordenação da população sob a condição de força de trabalho, também demorou muito a concretizar e precisou da generalização da manufatura e, posteriormente, da indústria para estabelecer a prevalência do trabalho assalariado, sobretudo o operário.
A força de trabalho enquanto mercadoria produzida por trabalhadores que vendem para os capitalistas empregarem na produção de outras mercadorias para geração de riquezas, tem gerado uma complexificação das funções do Estado e a multiplicação das atividades de serviços permitiram, por sua vez, uma crescente diferenciação dos trabalhadores assalariados, reduzindo fortemente a condição operária. Nesse processo, segundo Carleal, as condições de compra e venda desta mercadoria (força de trabalho) se alteraram e as práticas de contratação passaram a ser reguladas por leis reconhecidas sob o estatuto do direito do trabalho.
(1)Paul Sweezy, Teoria do Desenvolvimento Capitalista, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1976, pg. 112 e 113.
(2) Michel Aglietta, Regulação e Crise do Capitalismo, Calmann-Levy, 1976
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