Por Osvaldo Russo*
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com base no Censo Demográfico 2010, do IBGE, divulgou dados nacionais, regionais e estaduais sobre a extrema pobreza no Brasil. Segundo o ministério, 16,2 milhões de pessoas (8,5% da população total brasileira), residentes em quatro milhões de domicílios, estão em situação de extrema pobreza, ou seja, percebem renda per capita de até R$ 70,00/mês.
Deste total, 53,7% situam-se na área urbana e 46,3% na área rural. Por região, 59,1% residem no Nordeste, 16,8% no Sudeste, 16,3% no Norte, 4,4% no Sul e 3,4% no Centro-Oeste. No Nordeste e Norte, a população rural extremamente pobre representa, respectivamente, 56,4% e 52,5% da população total extremamente pobre dessas regiões.
A população rural extremamente pobre totaliza 7,6 milhões de pessoas residentes em 1,7 milhão de domicílios no Brasil, das quais 1,5 milhão de pessoas em 287 mil domicílios no Norte, 5 milhões de pessoas em 1,2 milhão de domicílios no Nordeste, 581 mil pessoas em 150 mil domicílios no Sudeste, 279 mil pessoas em 24 mil domicílios no Sul e 185 mil pessoas em 31 mil domicílios no Centro-Oeste.
A partir de 2003, com a implantação do Bolsa Família, estabeleceu-se uma nova agenda social no Brasil, unificando, racionalizando e ampliando os programas de transferência de renda. O mais importante fator de promoção do bem-estar da população nos últimos anos tem sido os aumentos reais da renda dos trabalhadores mais pobres, o que se deve não só às políticas de transferência de renda, mas, principalmente, à política de aumento real do salário mínimo e à geração de milhões de empregos formais.
O Brasil também tem implementado diversos programas que beneficiam diretamente à população rural, como o Programa Territórios da Cidadania, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o Programa de Erradicação do Trabalho Escravo, o Plano Nacional de Trabalho Decente e o Programa Brasil Quilombola. O programa, no entanto, que mais impacto pode trazer para a abolição da extrema pobreza e da pobreza rural constitui o Programa Nacional de Reforma Agrária, com o assentamento e a promoção social dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais.
Embora o Brasil tenha tido um desempenho excelente na redução da fome e da pobreza extrema, os indicadores nacionais encobrem imensas desigualdades internas. Entre essas, as mais importantes são as desigualdades entre as regiões, entre os grupos raciais e entre as zonas rurais e urbanas. A porcentagem de pobres nas zonas rurais caiu bastante, de 51,3%, em 1990, para 12,5% em 2008, diminuindo a diferença em relação às zonas urbanas. Não obstante, em termos relativos, a pobreza rural tem se situado em patamar mais do que três vezes maior do que o da pobreza urbana.
A pesquisa realizada, em 2007, pelo Ibase – Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas - aponta que houve avanços nos índices de segurança alimentar e nutricional da população beneficiada com a transferência de renda efetuada pelo Bolsa Família, ainda que permaneça um contingente de famílias que mantém elevados índices de insegurança alimentar.
Ao contrário das décadas de 1950 e 1960, quando a reforma agrária poderia ser uma opção para acelerar a industrialização, hoje se trata de posicioná-la frente às alternativas para o desenvolvimento nacional sustentável e a abolição da pobreza rural. A modernização conservadora já ocorreu e não foi capaz de superar a pobreza. A redistribuição da terra, das condições de produção e do conhecimento não é uma inevitabilidade, mas uma alternativa democrática para a qual há demanda social.
São os pobres em todo o mundo os que mais sofrem com as crises e as desigualdades do capitalismo. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), quase um bilhão de pessoas passam fome no mundo. O agronegócio não é solução para erradicar a pobreza e menos ainda a pobreza extrema. No Brasil, existem quatro milhões de pequenas unidades produtoras agrícolas, entre as quais um milhão nos assentamentos rurais, que respondem por 70% da produção de alimentos.
O Brasil, hoje, está mais preparado para enfrentar novos desafios. É preciso, entretanto, dialogar mais intensamente com os movimentos sociais para que estes sejam parceiros ativos e autônomos nesse diálogo nacional. O Brasil não pode esperar, porque a fome e a pobreza têm pressa, como dizia o saudoso Betinho. É preciso desconcentrar a propriedade, a posse e o uso da terra, que mantêm 46,8% das áreas cadastradas, das quais 133 milhões improdutivas, nas mãos de apenas 1,6% dos proprietários rurais.
O objetivo estratégico a alcançar é combinar a qualificação das políticas de proteção e promoção social, em especial transferência de renda, saúde e educação, e a política de ampliação do acesso a terra e viabilização econômica dos assentamentos. Esse modelo de intervenção pública, integrada e massiva reduzirá drasticamente a pobreza rural e promoverá uma nova abolição no Brasil, erradicando, até 2014, a miséria no campo que hoje atinge 7,6 milhões de pessoas em 1,7 milhão de domicílios rurais.
*Osvaldo Russo, ex-presidente do Incra, é diretor da Companhia de Planejamento do Distrito Federal, Codeplan.
Fonte: Diario Liberdade