Jornalismo e economia uma combinação perigosa

Por Paulo Daniel*

Para alguns, economia pode ser uma ciência de difícil compreensão, ainda mais quando se usa o economês, ao relatar ou comentar um processo econômico, este, em sua maioria, é realizado por jornalistas, mas pouquíssimos, com raríssimas exceções, procuram fazer uma análise mais detalhada e criteriosa e, também, por que não dizer, relativamente mais acessível.

Ao comentar sobre a crise européia, a única justificativa que se tem, são os altos gastos do governo, como a previdência, saúde, educação etc., mas esquecem-se de relatar o alto grau de financeirização da economia européia.

Ou no caso brasileiro, nos faz parecer que o único remédio para a inflação é o aumento dos juros, ou então, os gastos do governo precisam ser reduzidos, mas jamais afirmam qual gasto é o mais alto, ou onde cortariam, sem contar que; não diferenciam os tipos de inflações e se realmente vivemos um surto inflacionário. O contexto internacional é completamente escanteado do noticiário, quando o fazem, é de maneira errática.

Ao falar de orçamento público, é uma tragédia, tentam comparar um orçamento familiar ou de uma empresa, com o público, são ambientes e peças diferentes, por uma razão muito simples, o Estado tem o poder de emitir moeda e títulos públicos, ou seja, tem a capacidade de auto-financiar, evidentemente, haverá conseqüências, mas não se pode negar jamais essa solução.
 
Neste sentido, é importante lembrar que a economia não possui um único pensamento, e, por isso, o tecnicismo puro é inexistente. É mais do que necessário levar em conta as relações sociais e de classe, a história e a política. Não que a economia seja uma ciência menor, é justamente o contrário, é por conta da economia que os interesses afloram, divergem e comungam.

Ao emitir uma opinião, os veículos de comunicação têm uma determinada opção política e social e isto é importante e necessário, mas seria de relevante importância e honestidade, se afirmassem de que lado estão, para que os ouvintes, os(as) leitores(as), ou telespectadores saibam suas causas e conseqüências de um determinado pensamento econômico e jornalístico.

Portanto, ao se encontrarem, o jornalismo e a economia, atrelado a política, podem fazer estragos incomensuráveis em uma determinada sociedade. Por exemplo, no Brasil, a quem interessa propagar que existe um surto inflacionário?

Desde 1999, com a introdução da política de metas de inflação, em nenhum momento atingiu-se o centro da meta, algo tão desejado pelos governos e, em particular, pelo Banco Central. Façamos a seguinte constatação: Em 2001 a meta de inflação, conforme resolução do Banco Central era de 4% a.a., mas atingiu 7,67%a.a. praticamente o dobro, no ano seguinte; em 2002, a meta inflacionária foi audaciosa, ou porque não dizer, irresponsável, era de 3,5% a.a. e bateu a casa dos dois dígitos, com 12,53%a.a. 3,6 vezes maior do que o almejado.

Nesses dois momentos, pelo menos grande parte da mídia, nunca se falou em surto inflacionário, ou até mesmo, em riscos de volta da inflação como se fala atualmente, um reflexo claro de que há lado nessa história, não há isenção da notícia ou da análise econômica. Isso não quer dizer que vivemos um período de não inflação, mas é importante constatar que atualmente a inflação é um fenômeno global. Para citar os BRICs, na Rússia há uma projeção de 9%a.a, na Índia 7%a.a, na China 5%a.a e no Brasil poderemos chegar a 6%a.a.

Uma sociedade se desenvolve não somente só, com uma única opinião, mas sim, com suas divergências e convergências, para tanto, é mais do que urgente jornalistas e economistas ao comentarem um processo econômico, tenham no mínimo a honestidade de dizerem que pensamento econômico estão inseridos. Informação é poder! Por isso, pode-se desejar compartilhar ou concentrar de acordo com os interesses estabelecidos.

*Paulo Daniel, economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do Blog Além de economia.

Governo tenta alinhar discurso de combate à inflação

Dilma e ministros manifestam preocupação com a alta dos preços, mas veem crédito e consumo como a 'galinha dos ovos de ouro'

A presidente Dilma Rousseff e os principais integrantes da equipe econômica do governo vieram à público nesta terça-feira, 26, reforçar a preocupação com o aumento da inflação e com outras questões consideradas desafios para a atual gestão, como o ajuste fiscal e a volatilidade do câmbio.

Em sua primeira participação em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Dilma disse que não podia esconder que a inflação está subindo, entre outros fatores, pelo aumento na área de bens, alimentos e etanol. A presidente, afirmou, no entanto, que está atenta a todas as pressões inflacionárias e fazendo análises.
 
Dilma disse ainda que o controle da inflação só será garantido com o aumento da produtividade e afirmou que manterá todos os programas de investimento em infraestrutura no País, entre eles o PAC e o Minha Casa, Minha vida. "O que garantirá o controle da inflação é o aumento da capacidade produtiva. É isso que vai permitir ao Brasil ter uma inflação estável no futuro", afirmou, garantindo que o governo está empenhado e tomando medidas para evitar que o processo inflacionário corroa a renda da população.

O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, engrossou o coro e reforçou que o combate à inflação é prioridade de todos. "É importante que estejamos atentos a isso e fortaleçamos o esforço da equipe econômica", disse.

'Surto inflacionário mundial'
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também afirmou que um ajuste importante que o governo busca fazer na economia se refere ao combate à inflação que, segundo ele, decorre de um "surto inflacionário mundial".

Segundo Mantega, diante desse contexto mundial complexo, não adianta, para o governo, tomar medidas para atacar questões que ocorrem no mercado internacional. "As medidas que estamos tomando são para que os custos de commodities não contaminem outros setores da economia. Não devemos poupar armas, devemos usar todas as possíveis, sejam armas monetárias, sejam armas fiscais", acrescentou.
 
Galinha dos ovos de ouro
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, reforçou o discurso de Mantega e disse que o avanço da inflação no Brasil é proporcionalmente menor que em outros países como Rússia, China e Canadá. "A inflação é um fenômeno mundial e não tivemos no Brasil o mesmo impacto que outros tiveram", disse. Ela também citou o aumento nos preços das commodities, como petróleo, e dos alimentos. "A inflação depende de medidas internacionais também, mas no Brasil estamos atentos para impedir o contágio do fator internacional na nossa economia", afirmou.

Miriam disse ainda que o governo está promovendo um ajuste no ritmo de crescimento do crédito no País para evitar pressão inflacionária. "Mas não podemos matar a galinha dos ovos de ouro. O crédito é importante para alavancar investimentos e sustentar o crescimento", disse.

A expressão também foi usada por Mantega. "Não é para derrubar a demanda, é para moderar, sem matar a galinha dos ovos de ouro que é o mercado interno brasileiro", disse o ministro ao comentar sobre a importância de reduzir o aumento do crédito.

Segundo Miriam, a intenção do governo é reduzir de 7,5% em 2010 para 4,5% o crescimento da economia este ano, além de fazer com que o crescimento da demanda interna caia de 10,3% em 2010 para 5,9% este ano. O crescimento médio do PIB no governo Dilma, de acordo com Miriam, será de 5% ao ano.

A ministra também enumerou três desafios para o País: consolidação fiscal, combate à inflação e câmbio valorizado. "Estamos fazendo ajustes para termos crescimento sustentável em patamares próximos de 5%", afirmou a ministra.

'Esforço prolongado'
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, também decidiu se manifestar nesta terça-feira, afirmando que colocar a inflação na meta em 2012 vai requerer um esforço redobrado do governo.

Tombini disse que a autoridade monetária possui dois grandes desafios: fazer a inflação convergir para a meta, apesar da alta dos preços das commodities agrícolas e do petróleo, e evitar um fluxo estrangeiro exagerado, que acaba se transformando também em impacto inflacionário.

O presidente do BC citou dados de inflação corrente em vários países do mundo e também concluiu que a "inflação é hoje, certamente, um problema global".

Fonte: Estadão

Governo Dilma completa 100 dias

Por Leandra Silva*
A primeira mulher a conduzir os rumos do Brasil por meio da presidência da república completa neste domingo cem dias de um mandado que, segundo pesquisa de opinião pública, conta com aprovação de 73% da população brasileira. Considerada mais discreta e pragmática do que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Roussef vem aos poucos conquistando a opinião pública e imprimindo seu próprio estilo de governar.

Eleita no segundo turno das eleições presidências de 2010 com 55,7 milhões de votos, cerca de 56% dos votos válidos, a grande bandeira da economista ao palácio do Planalto era a continuidade das políticas sociais e econômicas implementadas pelo Governo Lula e a valorização do papel da mulher na sociedade através políticas específicas.

Apesar de manter boa parte de nomes da gestão passada, a nossa Chefe de Estado vem mostrando-se uma gestora comprometida com a erradicação da miséria. Já no início ela lança a marca “Brasil, país rico é um país sem pobreza” como forma de traduzir seu compromisso em desenvolver políticas voltadas ao atendimento das necessidades de milhares de brasileiros e brasileiras que não tem acesso ao mínimo para sua sobrevivência.

Dilma vem se destacando nesses primeiros cem dias também pela sua defesa e valorização dos direitos humanos, pela política internacional desenvolvida pelo seu ministro das Relações Internacionais, Antonio Patriota, que visa estreitar laços com parceiros econômicos internacionais importantes.

No que se refere a política econômica, Dilma enfrenta grandes desafios. O primeiro deles é conter os gastos do Governo e, com isso, preservar pelo menos parte do anunciado corte de R$ 50 bilhões do orçamento em programas de investimento. Além disso, a valorização do real frente ao dólar pode prejudicar a competitividade dos produtos nacionais e ajudar a desestabilizar a balança comercial e a previsão de aumento da inflação acima das metas estipuladas.

Outros setores importantes como saúde e educação, as ações ainda são tímidas e pouco visíveis. Dilma defendeu durante campanha ao Palácio, investimentos importantes nessas áreas. Assim, é de se aguardar e ver o que será verdadeiramente implementado em termos de políticas para áreas destes segmentos.

No que diz respeito aos movimentos sociais Dilma disse que não fará demagogia fácil, mas que o Governo está atento a todas as reivindicações e promete ouvir as demandas pautadas pelos movimentos e se empenhará para aproximar o atendimento de 100% das pautas defendidas pelos movimentos. 

*Estudande de Economia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB

Economia Solidária é tema de audiência Publica na Assembléia Legislativa

Por Leandra Silva*

O Projeto de Lei 18.636/2010 que dispõe sobre a Política Estadual de Fomento a Economia Solidária no Estado e do Conselho Estadual de Economia Solidária foi tema da audiência pública que aconteceu, nesta quarta-feira (06), a partir das 10h, no Plenarinho da Assembléia Legislativa da Bahia. Pelo projeto, a política estadual de Economia Solidária será fomentada através programas específicos, parcerias com a iniciativa privada, convênios e outras formas admitidas legalmente.

Para o Superintendente estadual de Economia Solidária, Helbeth Oliva, a Economia Solidária é um movimento amplo e profundo, que vem se fortalecendo e se organizando em parcerias entre entidades e governos. “Nos empreendimentos de economia solidária não há hierarquia no grupo. As decisões são democráticas e pratica-se a autogestão. Todos são participantes e responsáveis pelo trabalho”, explica. A audiência pública foi promovida pela deputada estadual, Neuza Cadore.

O debate sobre Economia Solidária em espaços como o da Assembléia Legislativa fortalece a luta por um tipo de economia que valoriza os pricípios da gestão coletiva, da promoção da igualdade e do desenvolvimento econômico baseado na distribuição da renda.

*Estudande de Economia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB




Greve na Uesb

Por Ruy Medeiros*

A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia encontra-se em greve. Antecedidos pelo movimento de paralisação dos estudantes, os professores resolveram deflagrar greve. Todos agora estão fora das salas de aula.

A greve demorou de ocorrer. Embora indesejada por muitos, em razão dos embaraços que a sucedem, tornou-se inevitável. Quem está fora não percebe coisas graves que comprometem o presente e o futuro da educação e, com isso, as próprias gerações presente e futura.

As universidades baianas vêm sofrendo há muito tempo. Os ataques a sua autonomia são crescentes e o sufocamento de suas atividades sempre esteve na pauta dos últimos governos. E universidade mendiga é universidade sem autonomia. Não se deve esquecer que a lei que criou o CONSAD – Conselho Superior de Administração das Universidades impôs tutela à UESB, UEFS, UESC e UNEB. Houve luta pela sua revogação e gestores atuais foram seus críticos. Uma vez no governo, no entanto: “esqueçam o que eu disse e o que eu escrevi. Participemos da amnésia política”. É o oportunismo. É o cinismo. É a falta total de vergonha.

Agora o governo assesta outro golpe profundo nas universidades baianas. É a sangria. Ainda não é o decreto morte porque há estudantes, professores e funcionários cuja luta será compreendida e apoiada pela sociedade. O governo editou o Decreto nº 12.583/11, que não resiste a controle de legalidade: suprime gozo de direitos, proíbe contratações ou concurso de professores, proíbe saída de professores para pós-graduação, garroteia financeiramente cada universidade baiana.

Apesar de proibir contratação (que é feita por seleção) e concurso, o Estado da Bahia não se dispõe a devolver às universidades baianas os professores que cooptou para Secretarias, Cargos Comissionados, etc, alguns dos quais foram “bravos sindicalistas” que certamente acham muito prudente calar e ficar.

O Decreto 12.583/11, atentatório à autonomia universitária agrava a situação das universidades que se encontram sem professores suficientes, carentes de servidores, sem espaços construídos para suas necessidades, faltante de materiais. O arrocho salarial compõe o cenário e não é mero detalhe com o panorama de desvalor sob o qual a educação é tratada.

A greve não é um luxo. É a medida necessária para defender a Universidade. À medida que governos têm sucateado a Universidade Pública, a universidade privada cresce e o direito à educação passa a ser bem mercantil, um não direito nas mãos de grupos que cada vez mais se desnacionalizam.


*Ruy Medeiros é Professor do Curso de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Advogado.

Paul Singer fala sobre papel da ES na erradicação da pobreza, durante seminário

Por Tatiana Félix *

Uma das presenças mais esperadas no Seminário "Crédito Produtivo para mulheres do programa Bolsa Família", realizado pelo Instituto Palmas, na Assembleia Legislativa do Ceará, na última quarta-feira (16), foi a do secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer.

Ele iniciou sua participação comentando que este é o primeiro evento ‘bem feminista' que está participando neste ano, e ressaltou a capacidade que as mulheres têm de se organizarem coletivamente e a emancipação que elas vêm conquistando ao longo dos anos.

Mas, segundo ele, também é importante que a juventude masculina se organize e se capacite, para reagir contra a cultura machista que ‘esterilizou os rapazes', pela crença de que apenas os homens deveriam trabalhar para sustentar a família. Com a emancipação feminina, segundo Singer, muitos homens ficaram sem saber que papel deve exercer.

"Temos toda uma geração de jovens, não tão jovens, homens, que precisamos de alguma maneira, conseguir resgatar. Vai ser bom para as mulheres, vai ser melhor para eles", disse.

O secretário elogiou a pesquisa feita pelo Instituto Palmas, que mapeou o perfil das mulheres beneficiadas pelo projeto do Banco Palmas, e disse que levará a iniciativa para Brasília. Segundo ele, é importante descobrir "o que os miseráveis querem ser, em lugar de ser miseráveis". "Há muitas opções pela vida. É preciso saber o que eles desejam", completou.

Ele também comentou sobre a importância de o segmento mais pobre da sociedade se unir para trabalhar coletivamente, já que 'sozinhos, não conseguem'. Segundo ele, quanto mais as pessoas se unem, mais se fortalecem, criando mais mercado estimulando, assim, outros grupos. "A vida é se dar as mãos para que os mais fracos fiquem fortes", disse.

Para Singer, a Economia Solidária é ‘uma arma' que tem papel fundamental no enfrentamento à pobreza e na organização do trabalho coletivo, já que permite que "as pessoas saiam da pobreza de uma forma igualitária, sem ser empregado". Sobre as políticas da presidenta Dilma Rousseff para o setor, Singer comentou que as expectativas são as ‘melhores possíveis', pois, além de dar continuidade às políticas do Lula, ela coloca a erradicação da pobreza como seu principal projeto.

Ele assegurou que a proposta da presidenta ‘é pra valer' e disse que tem provas suficientes para isso, já que ele está no governo. "Estamos preparando para um ataque mortal à miséria", avisou.

"Já apresentamos um programa dentro do Ministério do Trabalho para investir mais no setor", adiantou, e citou como exemplo o investimento em formação profissional e na expansão do microcrédito, como forma de intervir na erradicação da pobreza. Segundo ele, essa será a maior mudança do novo governo.

Singer ressaltou ainda a importância das parcerias com a sociedade civil, feitas desde a era do governo Lula, e disse estar 'convencido' de que "sem o movimento social, sem a sociedade civil, nós não iremos a lugar nenhum". "O governo sozinho não dá conta, e não é por falta de recursos, mas, por falta de conhecimento", declarou.

Para ele, ‘país rico é país sem pobres, e não outra coisa'. Por isso, Singer acredita no papel dos bancos comunitários, que têm como foco a coletividade e a oferta de crédito para a população mais carente conseguir trabalhar e prosperar.

Paul Singer

Paul Israel Singer nasceu na Áustria, mas se radicou no Brasil em 1940. Militou no movimento sindical na década de 50 e logo em seguida se formou em Economia, na Universidade de São Paulo (USP). Tornou-se doutor pelo departamento de Sociologia da USP e desde 1996 se dedica à Economia Solidária. Professor e autor de livros, Paul Singer está à frente da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), do Ministério do Trabalho e Emprego, desde a sua criação em 2003. É considerado pelos movimentos econômicos solidários como o ‘pai' da Economia Solidária no Brasil.

* Jornalista da Adital

Choque de oferta e demanda aquecida estimulam alta dos preços

Dirigindo 150 quilômetros por dia entre a casa, o trabalho e a escola do filho, a servidora pública Sheyla Gonçalves, 38 anos, sentiu o peso do aumento dos combustíveis nos últimos meses. De R$ 400, a despesa saltou para R$ 600. Para reduzir o estrago no orçamento doméstico, ela pensa em cortar outras despesas.

– Terei de restringir várias coisas, como lazer e vestuário – constata Sheyla, que vive em Brasília.

Os combustíveis são um dos principais vilões da inflação, que fechou fevereiro em 6,36%, no acumulado de 12 meses pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), quase 2 pontos acima do centro da meta de 4,5% para 2011. Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, um cenário de choque de oferta, combinado com uma demanda aquecida, e falhas na estrutura de mercado têm estimulado a alta nos preços, não apenas dos combustíveis.

O que se inicia como um encarecimento temporário, provocado por fatores externos, corre o risco de se espalhar pela economia por meio de reajustes generalizados. “Atualmente, não sei o que não está contribuindo para a inflação”, diz o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero. “Um choque de oferta em meio a uma demanda aquecida torna a inflação mais persistente.”

Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Reinaldo Gonçalves, boa parte da inflação atual tem origens no exterior. Do segundo semestre de 2009 para cá, o aumento na demanda por alimentos em todo o mundo impulsionou o preço dos bens primários no mercado internacional. Esse processo impulsiona os produtores rurais a exportarem. Ao sobrarem menos bens no mercado interno, os preços sobem para os brasileiros.

Um dos produtos mais afetados por esse processo é a cana-de-açúcar. Por causa da alta do açúcar no exterior, os usineiros preferem vender o produto no exterior a produzir etanol. A entressafra impactou ainda mais nos preços, nas bombas de combustível. De acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), somente em Mato Grosso é vantajoso abastecer com álcool. Quem abastece com gasolina também sente os efeitos porque o combustível é misturado ao etanol.

Na avaliação de Gonçalves, existe outra falha de mercado que agrava a alta dos preços dos combustíveis: a cartelização dos postos de combustível em diversas cidades do país. “O Brasil tem uma institucionalidade frágil, o que estimula abusos econômicos”, ressalta.

Para ele, uma medida eficiente seria a taxação das exportações de açúcar para coibir o aumento do preço do etanol. “Essa seria a medida ideal, mas a elite agrícola que compõe parte da base do governo no Congresso [Nacional] não deixaria”.

Para o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, fatores internos também contribuíram para o encarecimento dos combustíveis. O aquecimento da economia e os estímulos para a compra de veículos concedidos durante a crise de 2009 pioraram a situação. “Existe um problema de estrutura de mercado porque o consumo de etanol aumentou 60,9% e a produção subiu 30,8%, de 2007 para cá”, ressalta.

De acordo com Pires, o aumento nos combustíveis só não foi maior porque o governo resolveu segurar a alta no preço do petróleo no mercado provocada pelas turbulências no Oriente Médio e no Norte da África. Segundo ele, no entanto, a ação tem um efeito colateral. “A tentativa de segurar a inflação traz prejuízo para a Petrobras, o que prejudica os investimentos no pré-sal”, avalia.

As principais vítimas dos choques de oferta são consumidores como o aposentado Otto Scherann, que, nos últimos meses, tem enfrentado a perda de poder aquisitivo sem conseguir entender o reajuste dos combustíveis. “O Brasil é autossuficiente em petróleo e o combustível é mais caro aqui do que fora. Tem alguma coisa errada”, queixa-se.