Fonte: Reprodução da Internet |
Por Herberson Sonkha*
Por
traz do “Perfil” exigido pelas empresas nas seleções esconde-se uma prática de
mercado excludente que indiretamente estimula migração forçada ao crime.
Após longos e sofridos minutos de espera, uma pessoa de expressão amável
e serena rompe o silencio e pronuncia em tom suave sua sentença: - Senhor
fulano de tal, muito obrigado pela sua participação, mas lamentavelmente o
Senhor não apresentou o desempenho desejado durante a seleção. Somente por
isso, o Senhor não atende ao perfil exigido pela empresa para a função
disponível para o momento. Desta forma, lamentavelmente o Senhor não foi
selecionado, mas, a política de Recursos Humanos da nossa empresa fará a gestão
do seu currículo mantendo-o em nosso banco de dados e sempre que houver
qualquer oportunidade para nova seleção, que enquadre no seu perfil, o Senhor
será convidado.
Mas, qual é mesmo o perfil desejado
para cada categoria laborativa e qual é a sua finalidade? A Teoria Geral da
Administração, grosso modo, estuda e desenvolve com auxilio de outras ciências
sociais aplicadas e exatas, especialmente aqui neste caso a psicologia, a
mentalidade organizacional e o emaranhado nevrálgico que constituem as relações
interpessoais de uma empresa. No primeiro momento para entender a práxis como
validação da mentalidade nas organizações e seus reflexos positivos e/ou
negativos nas relações dadas; no segundo momento para aproveitá-las ou
modificá-las na perspectiva da empresa, objetivando melhorar os indicadores de
desempenho humano na organização, visando em ultima analise o aumento nos
lucros.
Por mais sincera e afetuosa que seja o
formato de uma resposta negativa, ela será sempre desesperadora para o
trabalhador, pois, na medida em que o mesmo só possui um único meio de
sobrevivência: a venda de sua força de trabalho. E, certamente causará desânimo
e outros males denominados de psicossomáticos, tão prejudiciais à saúde mental
deste trabalhador, a ponto de levá-lo a depressão e até ao suicídio. De certa
forma ouve-se com certa “naturalidade” o fuzilamento como resposta quando se
busca ocupar uma vaga no mercado de trabalho.
A realidade que o Estado enfrenta com
programas sociais que aparenta ser um grão de areia no oceano, não é nada
animadora. Como não há vaga para todos os trabalhadores, as empresas se veem
obrigadas a desenvolver critérios “científicos” que otimizem a oportunidade de
escolha, justificáveis para algumas teorias, que torna o preenchimento de
postos de trabalho cada vez mais inacessível no Brasil, apesar de vivermos um
excelente momento de expansão e diversificação da base produtiva aumentando a
oferta de vaga pelo mercado.
Ao comparar o curriculum apresentado
com o desempenho em provas escritas e em dinâmicas de grupos, visando analisar
o candidato à vaga, os níveis caem assustadoramente. Há um grande hiato entre o
que se escreve nos currículos e suas reais condições para exercer as atividades
profissionais exigidas pela seleção. Do ponto vista de várias correntes
teóricas no campo da economia, não há registros históricos de taxa de ocupação
superior a 80% do emprego da força de trabalhado, por demandas de vaga real
resultantes da capacidade instalada máxima, quer dizer em outras palavras, o
uso total do emprego da força de trabalho que absorva a massa laborativa.
A origem deste problema vai da divisão
do trabalho levada a exaustão com suas especializações que fragmenta o saber
integrado a uma totalidade; às exigências das tecnologias de produção cada vez
mais sofisticadas. Se as empresas cada dia exigem mais, a educação segue no
sentido contrário em relação à formação educacional. Uma massa de estudantes
desigual nas especificidades e igual na inapetência para decidir por conta própria
seu destino.
Igualmente, não há estudos econômicos
que confirme a existência de qualquer país no século XX, a partir da década de
60 e mesmo no período pós-guerra do chamado bela época e mesmo considerando a
China, que tenha criado postos de trabalho suficientes para sorver a massa de
trabalhadores. Nada impede supor que matematicamente, ciências exatas permitem
essas hipérboles, vislumbre uma situação de pleno emprego, mas nunca é
demasiadamente prudente afirmar que não passa de hipótese para objeto de estudo
de mensuração do grau de veracidade existente no falso ou verdadeiro. Fora
disso não passa de desatino sem precedentes. Tal situação só seria possível
numa conjuntura de mercado onde todas as ações humanas estariam
teleologicamente ajustadas e orientadas, concomitantes com a casualidade do
agente econômico privado (empresas e famílias) de tal forma que fossem
colocadas em uso pleno todos os seus fatores de produção em níveis máximos.
Ainda assim teríamos que resolver as questões inesgotáveis da divisão do
trabalho na especificação das categorias laborativas existentes e as que não
param de surgir.
Retomando o famigerado Perfil, do
ponto de vista educacional, verifica-se que as dificuldades apresentadas pelos
candidatos são anteriores a sua “inserção” ou manutenção no mercado de
trabalho, porquanto, começam na sala de aula. Neste sentido, persistem outros
problemas hereditários que impede a compreensão e execução das transformações
estruturais. Pois, o que se percebe inicialmente é que não há um propósito
claro na educação regular, espraiando facilmente pela rede própria, que seja
capaz de formar um profissional ou intelectual.
A escola de hoje ainda é tradicional,
de modo geral, não forma intelectual, técnico profissional e nem um ser com
conhecimentos básicos capaz de auxiliá-lo para tomar o rumo que melhor lhe
prouver. Se o Estado não faz ao que se propõe fazer teoricamente, então o que
faz a educação ao estudante? Não há uma única resposta para esta pergunta,
existem várias reflexões sobre o tema. Mas, depende fundamentalmente da
irrefutável realidade a que estamos submetidos e partindo dela para onde se
pretende chegar.
Uma delas é a de que, todavia, a
educação foi um forte aliado dos interesses políticos (ideológicos) históricos
de quem governa independente de quem seja. Como pensou o italiano Antony
Gramisc a escola (espaço físico para exercício da hegemonia ideológica) faz
parte da superestrutura e que, portanto, cumpre o papel de aparelho ideológico
do Estado. “A hegemonia é a capacidade que as classes dominantes têm de manter
o poder utilizando o consenso e não a coerção.”
Não é propósito do referido texto
trabalhar, amiúde, todos os períodos desde a primeira LDB até a ultima diretriz
do ministro Paulo Renato. Desta forma farei um breve recorte de tempo próximo
do que considero claudicante para o país. Houve momentos na historia recente do
Brasil em que o Estado governado pelas forças capitalistas definiu como
necessário a criação de uma massa mínima de trabalhadores capaz de atender a
política governamental de industrialização no Brasil, visando o mercado
internacional agroindustrial e comercial. Por isso surgiram as Escolas de
Técnicas agrícolas, industriais e comerciais a nível nacional (Polivalente,
Emarc, CEFET).
Como o mercado brasileiro passou por
varias etapas e níveis tecnológicos, isso se replicou também na educação
brasileira que sempre esteve a serviço dos interesses da classe dirigente. Até
meado da década de 90 as escolas com ensino técnico tinha um determinado padrão
de qualidade, contudo sua oferta de vaga era limitadíssima e possuía um perfil
de classe média alta. O sucateamento progressivo da educação afetou a qualidade
de vida nas escolas e alterou significativamente o perfil dos concluintes. O
padrão de vida dos professores caiu assustadoramente e as condições para o
desenvolvimento do PIT (plano individual de trabalho) foi precarizado com
jornadas extensas e sobrecarga de trabalho, pois, o acesso à educação no ensino
médio caminhava para universalização, porém as condições materiais,
intelectuais e pedagógicas não acompanharam nas mesmas proporções às mudanças.
O conjunto de ações realizadas pelos
gestores resultantes da concepção política de governos anteriores precipitou
drasticamente o nível da educação para atender certos critérios exigidos por
agentes econômicos e financeiros internacionais. Não obstante, considerar
importante as inflexões acerca das transformações ocorridas no campo das
expectativas da revolução estrutural da sociedade.
Como resultados de uma educação de
melhor qualidade os trabalhadores em educação, replicavam seus efeitos críticos
nas gerações de educadores tornando-os comprometidos com as transformações do
seu tempo refletidos nas lutas expressas em bandeiras históricas. Intelectuais
e trabalhadores assistiram o fim das experiências do chamado socialismo do
leste europeu fundamentado pelo marxismo-leninismo e a consolidação do
neoliberalismo retomadas no Brasil pelos intelectuais da USP, sobretudo a
Escola de Sociologia, economia, direito e filosofia.
Com isso, ascende ao poder o programa
de governo neoliberal capitaneado por Fernando Henrique Cardoso que liderava as
pesquisas eleitorais, sendo eleito em 1996. O príncipe dos sociólogos liberais
foi implacável na redução do Estado e no trato refinado de exploração aos
trabalhadores, impondo a maior derrota as organizações sindicais de modo geral,
especialmente os trabalhadores da educação com a vitória da LDB de Paulo Renato
e, é neste governo que a educação sofreu a maior investida dos neoliberais.
Este período é marcado pelo
sucateamento na educação pública, gratuita e de qualidade; a precarização das
condições de trabalho; perdas salariais ocasionando o rebaixamento nos
vencimentos devido à inflação e arrocho salarial; as terceirizações na educação
com o professor PST e outros serviços gerais; redução dos investimentos em
educação e as privatizações de estatais. Estes processos vão afetar
profundamente a relação professor versus estudantes. Com salários baixos,
bibliotecas sucateadas e jornadas extensas de trabalho os profissionais da
educação não conseguem se qualificar em sua grande maioria.
A redução da nota de nivelamento que
era mantida como “critério de qualidade mínima” exigida para conclusão de
cursos médios, transformou a sala de aula em chão de fabrica, um ambiente
educacional contraproducente, o objetivo passou a ser bater metas numéricas
internacionais para melhorar os indicadores exigidos pela UNESCO e conseguir
mais empréstimos internacionais para o governo. Nesta perspectiva qualquer
discussão sobre a tão questionada nota como possível função pedagógica estava
descartada, pois se transformaria em entrave ao processo de maquiagem da
política educacional de Fernando Henrique Cardoso que tinha se notabilizado
internacionalmente por elevar irresponsavelmente os índices da educação
brasileira.
A educação voltada para aplicação do
conteúdo programático como mensuração da produção em sala de aula, sem qualquer
avaliação critica, criou uma geração de estudantes desinteressados e com nível
de leitura e escrita baixíssimo, dando sentido real à expressão do analfabeto
funcional.
Os egressos da escola pública e postulantes
a uma vaga no mercado de trabalho ou no vestibular foi sumariamente excluído,
ou melhor, preterido pela educação formal neoliberal e, portanto não constituiu
o perfil demandado pelas empresas e pelos vestibulares para universidades
públicas, restando apenas às faculdades particulares que passaram a receber
dinheiro público para permitir o acesso ao ensino superior a esta parcela
significativa de vitimas do capengante ensino público. Admitiu-se durante algum
tempo que o dinheiro transferido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso para
as faculdades particulares daria para melhorar a educação pública
substancialmente. Com tudo isso estes analfabetos funcionais, todavia,
encontrarão abrigo no trabalho informal e passaram a corresponder com a ideia
de negócio próprio, restando apenas à criatividade intrínseca do empreender sem
nenhuma estrutura de custeio de seus empreendimentos, basta observar que de
cada pequeno negocio aberto todos os dias, menos de 30% conseguem chegar aos
cinco anos.
Como consequência da universalização
da educação passou a ser meta também de governo a inclusão da educação de
jovens e adultos sem nenhum tipo de instrução, uma espécie de reprodução
“melhorada” do MOBRAL. Desta forma, constata-se que parte das pessoas com idade
acima do exigido pelo mercado, que até então não tinham acesso à instrução
escolar que conseguiram concluir passaram a compor uma fatia considerável da
população com ensino médio e, segundo critérios de mercado são sumariamente
excluídos do processo de seleção no mercado de trabalho pela idade, um
contingente também com destino certo a informalidade.
E por último observo também o
crescimento das populações urbanas oriundas do êxodo rural que vão se
amontoando nas cidades formando as periferias e replicando em certa medida a
violência institucional. Como as escolas estão em sua maior parte nas
periferias, obviamente, reproduz em certa medida esta mesma violência. Outro
fenômeno sociológico associado a esta realidade recente é a profissionalização
do tráfico, que passa a operar organizadamente como empresa informal, espécies
de entidades territoriais clandestinas. Um tipo de empresa virtual, sem
escritório físico definido, sem fisco e sem um corpo físico identificável.
Uma empresa (boca) responde por uma
determinada área e para manter-se absoluta possui um braço paramilitar violento
e repressivo, sem despesas com as deduções fiscais, operando com capital
adquirido da venda direta da droga ou captação de recurso através da extorsão,
sem os custos fixos das despesas operacionais e com rendimentos lucrativos
exorbitantes.
Estas organizações recrutam jovens
pobres da periferia para o tráfico com a oferta de vagas de trabalho com
perspectivas de ascensão. Opta-se pela distribuição das drogas ou pelo serviço
paramilitar de proteção da área e do proprietário das drogas. Mesmo sabendo dos
riscos os jovens são atraídos pelos preços tentadores praticados bem acima do
oferecido pelo mercado com mais um diferencial, que é a não exigência do
conhecimento escolástico, o formal.
A vida no crime é cheia de adrenalina,
fartura de drogas e realização do macho que é o culto das fêmeas pelos atos de
bravura, ou melhor, de violência praticada contra a população e compradores que
não pagam a mercadoria da “boca”. Isso acelera a violência urbana, pois, o
fluxo circular do dinheiro originado das drogas na sua maior parte é mantido
por pequenos furtos familiares e roubos praticados por dependentes químicos. Os
“empresários” das drogas (traficantes) circulam impunes operando suas empresas
(boca) com facilidades, alimentando uma cadeia cada vez maior de criminosos com
fabulas de dinheiro.
Desta forma, o chamado PERFIL é um critério
administrativo distante dos objetivos da educação pública que atende única e
exclusivamente aos imperativos de um mercado gélido e implacável na reprodução
do capital, impondo formas seletivas que alija uma massa de trabalhadores que
mesmo concluindo o falacioso ensino médio não conseguem ingressar no mercado de
trabalho por não possuírem estas exigências e quando conseguem não passam de
assalariados com jornadas extenuantes de trabalho.
*Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; Assessor de Relações Institucionais do APNS-Nacional e Servidor Público do Estado da Bahia.
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