País tem primeiro Sistema de Comércio Justo e Solidário do mundo

O Brasil agora tem o primeiro Sistema de Comércio Justo e Solidário do mundo reconhecido e fomentado pelo Estado, graças ao decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a reunião plenária do Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES), realizada nesta quarta-feira (17) em Brasília (DF). Com ele será possível consolidar e ampliar as políticas públicas para o setor e tornar perenes as conquistas dos trabalhadores brasileiros, disse o presidente durante o seu discurso na solenidade. Na oportunidade, também foi assinado decreto instituindo o Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas.

O Sistema Nacional do Comércio Justo e Solidário é um conjunto de parâmetros a serem seguidos na execução de políticas públicas voltadas à geração de trabalho e renda por meio de ações de promoção da economia solidária e do comércio justo. Entre seus objetivos estão: apoiar processos de educação para o consumo com vistas à adoção de hábitos sustentáveis e à organização dos consumidores para a compra dos produtos e serviços do comércio justo e solidário; fortalecer uma identidade nacional de comércio justo e solidário, por meio da difusão do seu conceito e do exercício das práticas que lhe são inerentes; e favorecer a prática do preço justo para quem produz, comercializa e consome.

A economia solidária, afirma o presidente, é uma alternativa para a geração de emprego e renda, além de importante saída para incentivar o País a adotar hábitos sustentáveis de comércio, que seja justo e solidário. O Brasil já é referência mundial no assunto desde 2003, quando foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária. E a ação só se tornou bem sucedida, afirmou Lula, porque o governo instituiu um diálogo permanente com a sociedade civil para construir as políticas públicas necessárias.

"Valeu a pena todo o esforço realizado por este governo para fortalecer a economia solidária no Brasil. Mas é preciso reconhecer que ainda há muito a ser feito. A atuação desse Conselho Nacional de Economia Solidária e a realização periódica das Conferências Nacionais certamente vão continuar garantindo as condições para que trabalhadores e trabalhadoras do País possam construir uma rede de economia solidária cada vez mais sólida e sustentável", destacou.

Lula explicou, ainda, que a grande aceitação de seu governo por parte dos brasileiros se deu por iniciativas como essa, que beneficiam diretamente a população, e pela relação de honestidade que estabelecida com a sociedade desde o início do governo. Aos trabalhadores do comércio solidário, Lula agradeceu a crença em seu governo e pediu para que continuem acreditando, pois, segundo ele, a presidente eleita, Dilma Rousseff, "fará mais e melhor" a partir de janeiro de 2011.

"Na hora em que a gente estabelece essa relação verdadeira, em que eu olho nos olhos de vocês e vejo que vocês não estão mentindo para mim e vocês olham em meus olhos e veem que eu não estou mentindo para vocês, está consolidada a coisa mais perfeita de nossa passagem pela Terra, que é a confiança entre os seres humanos. Porque no fundo, no fundo, só vale a pena ser presidente da República se as pessoas que te elegeram confiarem em você", declarou.

O áudio do discurso do Presidente está disponível em: http://blog.planalto.gov.br/economia-solidaria-brasileira-e-exemplo-para-o-mundo/
 

Empreendimentos têm até dia 24 para se inscrever na II Mostra Nacional de ES

De 8 a 12 de dezembro a Praça Wilson Lins (Pituba), em Salvador, na Bahia, será sede da II Mostra Nacional de Economia Solidária (ES). A feira acontece juntamente com o I Seminário de Comercialização Solidária da região Nordeste e com a VI Feira Baiana de Economia Solidária e Agricultura Familiar. Os empreendimentos interessados em participar das atividades na Bahia têm até o próximo dia 24 para se inscrever.

Os fóruns e as redes estaduais irão selecionar até 20 participantes entre formais e informais, rurais e urbanos. Também é determinado que vários setores como os de comercialização, crédito, consumo e outros, participem da Feira. É aconselhado garantir a presença de empreendimentos quilombolas, indígenas, pessoas com deficiência e usuários do sistema de saúde mental.

A lista com a inscrição dos 20 empreendimentos selecionados pelos Fóruns Estaduais deverá ser enviada para a Coordenação Nacional, no site da II Feira, http://cirandas.net/feiranacionaldeeconomiasolidaria.

Os eventos têm por objetivo dar mais visibilidade às atividades desta economia de base popular, preocupada com o consumo consciente, preservação ambiental e valor do trabalho humano em grupo. Eventos como estes contribuem para o fortalecimento da Economia Solidária no Brasil, na construção de uma identidade nacional comum entre os diversos atores envolvidos neste processo, desde empreendedores (as), gestores (as), entidades de apoio e fomento, e assessorias.

Segundo Wilson Doll, secretário executivo da II Mostra Nacional, "a feira vem consolidar o espaço em todas as esferas e agregar atores, além de dar visibilidade ao movimento de Economia Solidária". Ele ressaltou a integração regional dos empreendimentos econômicos solidários e destacou o espaço de diálogo entre movimentos sociais, culturais e sociedade, promovido pelo evento.

De acordo com a coordenação nacional da Feira, estarão reunidos 600 expositores (as), sendo os 20 selecionados de cada estado, com exceção da Bahia que participará com 80 expositores (as), por conta da realização da Feira Estadual. Durante os eventos, o público terá acesso ainda às atividades de formação que acontecerão o dia inteiro, e momentos culturais.

Mais informações através do site:http://cirandas.net/feiranacionaldeeconomiasolidaria

Fonte: Adital

Emprego na construção civil bate recorde no Brasil

O nível de emprego na construção civil brasileira cresceu 0,94% em setembro ante agosto, com a criação de 26,5 mil novos postos de trabalho formais, de acordo com a pesquisa mensal feita pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP) com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em 2010, o setor acumula aumento de 15,84%, com a inclusão de 389,2 mil trabalhadores. No acumulado de 12 meses, a alta é de 15,89%. O número de empregados formais na construção civil brasileira atingiu 2,846 milhões, novo recorde da série histórica.

Embora positivo, a geração de postos de trabalho no setor no mês de setembro é inferior ao informado em agosto, quando foram contratados 48,6 mil trabalhadores, e em julho, com 45,7 mil contratações. Em nota, o presidente da entidade, Sergio Watanabe, pondera que ainda não se pode afirmar se essa desaceleração é uma tendência. "Por enquanto, ficou claro que, em alguns locais, não começaram novas obras em ritmo maior do que aquelas que se encerraram. Mas, em outras localidades, a demanda por mão de obra continuou crescendo, como na Região Nordeste, com a contratação de 11,6 mil trabalhadores."

No Estado de São Paulo, a desaceleração foi mais forte, com acréscimo de apenas 0,09% no indicador em setembro, com a contratação de 683 trabalhadores, ante 6.841 contratações registradas em agosto e 7.132 em julho. No ano, foram agregados mais 66,7 mil empregados formais (alta de 9,77%) e, em 12 meses, 67,5 mil (aumento de 9,91%).

Fonte: O Estadão

Com crédito de R$ 1 bi, agronegócio só produziu metade do valor

Ao final de 2010, a safra brasileira de grãos deverá bater o recorde nacional e atingir a marca de 148 milhões de toneladas, segundo informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A área a ser colhida é de 46,7 milhões de hectares, 1% inferior ao último ano.

O Paraná é um dos responsáveis pelo recorde. Sozinho, o estado responderá por 21,5% da safra 2010. Esses números podem ser explicados pela pesquisa coordenada pela professora Rosemeire Aparecida de Almeida, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Baseada nos censos agropecuários do IBGE de 1995/96 e 2006, ela analisou as transformações territoriais ocorridas nos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul e chegou a resultados surpreendentes.

Em entrevista à Radioagência NP, a professora garante que a agricultura familiar é responsável pela comida que está na mesa do brasileiro. Ela anuncia que o agronegócio recebeu financiamento de R$ 1 bilhão e produziu apenas a metade desse valor. Já as pequenas propriedades multiplicaram por 20 a quantia recebida.

Radioagência NP: Professora, entre os estados analisados, qual deles teve o melhor desempenho agrícola e como isso se explica?
 
Rosemeire Aparecida de Almeida: Nós podemos dizer que o estado do Paraná tem uma estrutura fundiária mais democrática, em comparação com o Mato Grosso do Sul. E essa estrutura fundiária democratizada é responsável por uma maior geração de renda e também de ocupação. No estado do Paraná 0,32% dos estabelecimentos possuem mais de 1 mil hectares, o que representa 19% da área. No Mato Grosso do Sul, é 10% dos estabelecimentos dominando mais de 76% da área.

RNP: Dê um exemplo de como essa diferença se reflete na produção.

RAA: O rebanho bovino do norte central paranaense é cinco vezes menor em relação à região leste do Mato Grosso do Sul. Porém, a quantidade de leite produzido é superior. No caso da região leste [MS], 42% do leite produzido vêm de estabelecimentos até 100 hectares. Na região norte paranaense, representa 76% dessa produção.
 
RNP: Como o agronegócio atua nessas regiões?
 
RAA: Ele vem se apropriando das melhores áreas no MS. Há um recuo do arroz e do feijão. Nós só não tivemos uma crise de desabastecimento porque aumentou a produtividade e 64% dessa produção foi de responsabilidade das pequenas unidades de produção, tanto no MS quanto no Paraná. Então, a gente pode dizer com muita segurança que as pequenas propriedades são responsáveis pela comida que está na mesa dos brasileiros.

RNP: O que você observou na comparação entre os índices de financiamento público e a produtividade?

RAA: A classe de área de mais de mil hectares no MS obteve financiamento de mais de R$ 1 bilhão e gerou um valor de produção de R$ 524 milhões. A pequena unidade de produção, com menos de 50 hectares, acessou R$ 2,4 milhões – ou seja, 0,21% do valor de financiamento – e gerou um valor de produção de R$ 42,9 milhões. Isso quer dizer que as áreas menores que 50 hectares multiplicaram por 20 o valor do financiamento. E a grande propriedade dividiu por dois o valor do financiamento.

RNP: O agronegócio se sustenta com monocultivos como o da soja?

RAA: Existem muitos dados, inclusive em relação ao questionamento da grande propriedade como sinônimo de progresso, de geração de emprego e de produtividade. O que é um mito, uma ideologia. Quando olhamos os dados referentes ao MS, percebemos que a produtividade alegada pela soja é a de grande extensão de terra. É uma produção que está açambarcando as terras disponíveis, mas quando analisamos a produtividade por hectare, ela é insignificativa em relação ao censo anterior.

RNP: Por que há tanta resistência em relação à atualização dos índices de produtividade?

RAA: A gente fala como se a grande propriedade fosse sinônimo de agronegócio. E não é verdade. O MS tem oito milhões de hectares de terras improdutivas, um dos estados que é o eixo de sustentação do agronegócio. Apenas uma parte da grande propriedade se modernizou no país. O restante é reserva de valor. Daí, a luta contra a revisão dos índices [de produtividade], que são da década de 1970. A revisão é necessária, é uma dívida que tem que ser paga pelo Governo Dilma. E mais do que isso, deve ser utilizada como um termômetro da existência da improdutividade, que é o mote da reforma agrária no país.

RNP: Que critérios devem ser observados nos programas de reforma agrária?

RAA: A estrutura fundiária voltada a estabelecimentos onde as pessoas não só trabalham, mas também vivem, gera uma dinâmica local. A política agrária do Brasil deve concentrar os assentamentos em determinadas microrregiões para que se possa impactar a cidade porque essas pessoas vão viver do comércio local e também vão produzir para o mercado da cidade.

De São Paulo, da Radioagência NP, Jorge Américo



Quem quer dinheiro?

Por Gerson Freitas Jr

A boa fase da economia nacional e a sobra de recursos elevam a captação das empresas no exterior


A Vale conseguiu levantar dinheiro com facilidade este ano

O Brasil nunca foi tão beneficiado por uma crise econômica mundial. Basta dizer que, dois anos após a quebra do Lehman Brothers e o estouro da bolha imobiliária norte-americana, a oferta de dólares para financiar as companhias nacionais é a maior da história. Entre janeiro e setembro, as empresas do País captaram mais de 32 bilhões de dólares com a emissão de bônus em moeda estrangeira. O volume supera o recorde de 26,2 bilhões de dólares, registrado em 2009. Até o fim do ano, as companhias terão absorvido mais de 40 bilhões em financiamentos, segundo diferentes previsões.

O ritmo das captações intensificou-se em setembro. De acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o País colocou no mercado internacional mais de 8 bilhões de dólares em títulos da dívida privada nesse período. Vale, CSN, Gerdau, Telemar e Itaú Unibanco tomaram mais de 1 bilhão de dólares cada. A Suzano Papel e Celulose emitiu notas no valor de 650 milhões de dólares, acompanhada por Odebrecht Finance (500 milhões) e Banco Cruzeiro do Sul (400 milhões). O frigorífico JBS Friboi, que havia captado 700 milhões de dólares em julho, emitiu mais 200 milhões em notas no mês passado.

Eduardo Borges, diretor de Mercado de Capitais do Banco Santander, afirma que a maior parte dos papéis emitidos pelas empresas brasileiras vence em dez anos – prazo mais aceito pelos grandes fundos norte-americanos – e oferece juros que oscilam entre 5,5% e 9,5% ao ano. De modo geral, o dinheiro é usado para refinanciar dívidas passadas. “As empresas estão aproveitando o cenário favorável para fazer gestão de passivos, realinhar suas obrigações com taxas de juro mais baixas e adiantar recursos para investimentos no ano que vem”, afirma o executivo.

Matéria publicada Originalmente em: Carta Capital


O Brasil e as políticas econômicas de combate à crise financeira

Por William Nozaki* e Gabriel Rossini**


A crise internacional e a economia nacional

Nos últimos anos, a economia brasileira esteve exposta às flutuações dos fluxos financeiros, comerciais e produtivos internacionais. Pelo lado externo, o país foi impulsionado, pela crescente demanda comercial asiática (sobretudo chinesa) e pela subida das cotações financeiras das commodities (na esteira das bolhas americanas). Pelo lado interno teve importante papel, o aquecimento do mercado doméstico a partir do fortalecimento do sistema bancário e creditício, os programas de transferência de renda e a recuperação do salário mínimo real. Desse modo, o crescimento do PIB nacional alicerçou-se no aumento da exportação (sobretudo para a Ásia) e na ampliação do consumo (principalmente via crédito).

A crise financeira internacional aportou no Brasil ameaçando esses dois alicerces do desempenho econômico favorável. A retração da economia global acarretou uma queda na demanda internacional por produtos ocasionando uma redução nos volumes e preços das exportações; além disso, a diminuição na oferta de dinheiro em circulação ocasionou a escassez de fontes de crédito e financiamento. Entretanto, outros fatores combinam-se a esses e merecem atenção.

Dados os problemas estruturais para a formação de funding, e postos os incentivos para a abertura financeira, no Brasil a estrutura de financiamento empresarial está crescentemente associada à captações no mercado financeiro e de capitais – contexto que pode ser evidenciado pelo fato das empresas nacionais estarem desvinculadas do sistema bancário nacional continuamente dedicado às funções tradicionais: financiamento de curto prazo às empresas e crédito ao consumidor. Tal fato faz com que a economia nacional esteja, em comparação com outros países emergentes asiáticos e sul-americanos, mais suscetível às oscilações financeiras internacionais e mais vulnerável à alterações nos ciclos de liquidez global.

Além disso, diante da tendência conjuntural de valorização cambial no país, no período imediatamente anterior à crise, as empresas exportadoras realizaram transações arriscadas com derivativos, ou seja: apostando na continuidade da valorização cambial tais empresas realizaram junto aos bancos operações, no mercado de futuros, de compra de dólares. Embora o objetivo tenha sido compensar perdas operacionais nas exportações com receitas financeiras, diante da desvalorização cambial acarretada pela crise, os resultados foram volumosas perdas, principalmente para grandes empresas exportadoras de commodities.

Por fim, a persistência de certas diretrizes de política econômica fizeram com que a sobrevalorização cambial e a sobre-elevação da taxa de juros permanecessem como tendências da economia brasileira no período anterior à crise, diante disso a resistência para a diminuição do superávit primário e para a diminuição dos juros fizeram com que o país tivesse mobilizado seu aparato de políticas anti-cíclicas com um relativo atraso em comparação com as decisões que se tomavam no cenário internacional e na própria América Latina.

Sendo assim, questões estruturais relativas ao financiamento, questões conjunturais relativas ao câmbio e ao juros e certas decisões de política econômica merecem atenção para que se possa compreender a atuação do Estado nacional brasileiro diante da crise.

A crise internacional e o Estado-nacional

Nesse novo cenário, entre 2008 e 2010, o aparente espaço existente entre estratégias do Estado e os interesses do mercado caiu por terra. A falta de liquidez e o risco de insolvência tornaram obrigatória a presença da regulação, da fiscalização e do crédito estatal.
 
Temos aí, diga-se de passagem, mais uma boa oportunidade de presenciarmos a derrubada da tese jogada aos sete ventos por, dentre outros veículos de comunicação, a revista The Economist e o jornal Financial Times. Enquanto o editorial, de 11 de outubro de 2008, do primeiro periódico fala-nos que: “este é o momento de colocar dogma e política de lado e concentrar-se em respostas pragmáticas. Isso significa mais intervenção governamental e cooperação no curto prazo, mais do que os contribuintes, políticos e jornais do livre-mercado normalmente gostariam”. A segunda publicação (21/08/2008) nos diz que: “no conflito perene entre a política e o mercado, não há dúvida, que neste momento, a política está por cima”.

Tais passagens são construídas em torno de uma inverdade que de tanto ser reproduzida acaba sendo aceita. A tese sustentada pelos jornais se apóia na idéia equivocada da existência de um “conflito perene”, entre a Política e o Mercado. O problema básico desta tese reside na preservação da dualidade que está na base do pensamento liberal: o “mercado” como esfera primeira, como o reino da liberdade e das entidades naturais e a “política” como esfera artificial, como o reino da arbitrariedade humana.

No Brasil, ao longo do pós-crise, a inexistência de tal dualidade pôde ser explicitada através das medidas adotadas pelo Banco Central do Brasil e pelo Ministério da Fazenda, como a liberação de parcela dos compulsórios dos bancos, tanto desobrigando da aplicação em títulos do tesouro como autorizando seu uso na aquisição de carteiras de crédito de instituições financeiras em dificuldade; como a realização de leilões de moeda estrangeira, o reforço da carteira de bancos oficiais além das isenções tributárias (como do IPI de automóveis, eletrodomésticos e construção civil, e do IOF para créditos a pessoas físicas); bem como as ações dos bancos públicos (Caixa, Banco do Brasil e Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES) que ampliaram o volume de crédito para o financiamento de investimentos, tanto em obras sociais – setor de habitação, por exemplo – como na realização de projetos de infra-estrutura e de expansão da estrutura produtiva (voltaremos a este ponto).

A partir do último trimestre de 2009, a economia brasileira ensaiou seus primeiros sinais de recuperação, que foram consolidados no primeiro trimestre de 2010. Para boa parte dos analistas, as causas apontadas para a rápida melhora residem, por um lado, na recuperação do cenário externo e, por outro, nas políticas econômicas anticíclicas implementadas pelo governo. Entretanto, nem todas essas medidas tiveram o mesmo impacto para a amenização da crise no país.

A rigidez na manutenção das diretrizes ortodoxas da política econômica de longo-prazo diminuiu, quando não solapou, os próprios ganhos conquistados com as medidas anticíclicas. A demora e o conservadorismo na redução dos juros, somados a elevados spreads e tarifas cobradas pelos bancos privados, dificultaram em um primeiro momento a circulação do crédito. Do mesmo modo, a leniência na gestão cambial ajudou pouco o setor exportador e as grandes empresas; representantes das indústrias de bens de capital se queixaram não poucas vezes de que a injeção de liquidez e os recursos estatais liberados aos bancos não estavam circulando e se convertendo em financiamento e empréstimos, o empoçamento da liquidez era nítido.

Dentre as políticas com maior impacto sobre a reativação da economia destacaram-se algumas de cunho social: os gastos públicos para reajuste do salário mínimo, com transferências de renda, com previdência social. A expansão desses gastos, especialmente do salário mínimo, possibilitou a manutenção do consumo, em especial das classes sociais mais baixas, minimizando os efeitos restritivos impostos pela crise. Desse modo, o consumo estimulado tanto pelo aumento da renda quanto pela melhora na sua distribuição atuou como um importante ativador da demanda durante a crise, induzindo posteriormente o próprio investimento.

Merecem atenção também, como já mencionado, as medidas de desoneração fiscal, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis, eletrodomésticos e construção civil, e do IOF para créditos a pessoas físicas. Apesar de esse conjunto de desonerações não ter atingido uma expressiva parcela do PIB (alcançaram algo em torno de 0,3%), eles se mostraram importantes incentivos para a manutenção e ampliação do consumo, mas também serviram como estímulos para o investimento privado que sem eles poderia ter se desacelerado em maior velocidade.

Ademais, a manutenção dos grandes investimentos do setor público planejados, principalmente no âmbito da Petrobrás e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram também importantes para que a rota de recuperação se iniciasse já em 2009.

Novamente com relação à política creditícia, os grandes bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa e BNDES) foram os responsáveis pela sustentação do mercado de crédito brasileiro, uma vez que a expansão do crédito público ocorreu de forma mais acentuada e acelerada do que o avanço do crédito privado.

Temos aí o apoio financeiro do BNDES incentivando a compra de empresas no exterior por parte de empresas brasileiras e patrocinando o financiamento de fusões e aquisições entre empresas nacionais.

O Banco do Brasil elevou o crédito oferecido a consumidores e empresas, em especial para operações relacionadas a comércio exterior e crédito rural, minimizando os efeitos do corte de crédito realizado pelos bancos privados, sobretudo entre o último trimestre de 2008 e o primeiro de 2009. Além disso, intensificou a compra de carteiras de crédito de pequenas instituições bancárias, mais ainda avançou no processo de aquisição de três bancos estaduais e adquiriu grande participação no banco Votorantim. O Banco também promoveu corte nas taxas de juros em diversas modalidades de crédito.

A Caixa Econômica Federal, por seu turno, aproveitou o cenário para fazer avançar sua tradicional atuação no financiamento habitacional de saneamento básico e infra-estrutura urbana. Para isso atuou expandindo linhas de crédito, reduzindo taxas de juros.

Desse modo, não é exagero afirmar que a medida anticíclica mais destacada não veio nem da área cambial tampouco da monetária, a despeito da inegável relevância de cada uma delas. Veio, sim, da política fiscal, e principalmente, da orientação que o governo transmitiu aos bancos públicos para que ampliassem seus financiamentos.

Perspectivas futuras

Certamente, esse princípio de recuperação apresentado entre 2009 e 2010 não se deveu ao fim dos efeitos deletérios da crise financeira internacional, e ainda que por trás dela haja um componente do cenário externo fundamental – o restabelecimento da demanda por produtos latino-americanos e brasileiros, principalmente commodities agrícolas e minerais por parte dos países asiáticos – as políticas econômicas (sobretudo as fiscais creditícias, mais do que as monetárias) cumpriram um papel central nessa recuperação.

O país encontrou na crise com uma possibilidade para a conformação de políticas e medidas anticíclicas mais expansionistas, por um lado, através de uma política fiscal e creditícia mais contundente e, de outro lado, por meio de uma política cambial ativa, mas emergencial. Contrariando este movimento tivemos uma política monetária conservadora que rapidamente arrefeceu o crescimento econômico brasileiro.

Resta considerarmos se a nova “normalidade” oriunda do êxito da política anticíclica posta em marcha – largamente dependente de subsídios e de privilégios garantidos pelo Estado – será duradoura.
 
Para a perenidade desta nova “normalidade”, carregada de elementos que potencializam a sua efemeridade, é fundamental que se revejam as diretrizes da política econômica, sobretudo da sua vertente monetária.

Por fim, a questão relacionada a acentuada valorização cambial vivenciada hoje pelo Brasil constitui o elemento central que pode nublar o nosso horizonte de crescimento econômico. Para além das políticas domésticas um importante problema que se coloca é a enorme pressão exercida pelo capital financeiro internacional que foi preservado em virtude do empréstimo de última instância que transformou valor perdido em valor financeiro garantido com receita fiscal, fornecendo uma tábua de salvação a capitais que buscam apenas preservar-se, mas que estão em retirada do processo produtivo. O capital ocioso não eliminado acaba por travar o funcionamento do sistema, tornando-o mais instável. Em função das dificuldades de valorização do capital investido na produção, este elevado volume de capital dinheiro movimenta-se pelo mundo procurando satisfazer sua própria necessidade de valorizar-se exteriormente ao processo produtivo. Dada a elevadíssima taxa de juros brasileira e, em alguma medida, às oportunidades abertas pelo nosso crescimento presenciamos o agravamento dos nossos problemas cambiais.

Permanecendo a valorização cambial, a reprimarização da pauta exportadora brasileira torna-se um risco, hoje o imbróglio cambial talvez seja o principal desafio que a economia brasileira terá que enfrentar.


*William Nozaki é mestre e doutorando em Desenvolvimento Econômico (IE- UNICAMP), pesquisador-bolsista do PNPD-IPEA no programa Arquitetura Financeira Internacional.

**Gabriel Rossini é mestre em Desenvolvimento Econômico (IE-UNICAMP), professor do Departamento de Economia da PUC-SP e do CCSA-Mackenzie.