Com o crescimento econômico, cai a migração do Nordeste para o Sudeste

Por Márcia De Chiara*

A parcela de nordestinos que migra caiu pela metade em relação ao pico da década de 90, alterando o perfil econômico das regiões.

A migração do Nordeste para o Sudeste está caindo. Com o crescimento econômico dos últimos anos, a saída de trabalhadores da região quase caiu pela metade em relação ao êxodo em massa dos anos 90.

O cálculo, feito pelo economista da LCA Consultores, Fábio Romão, leva em conta o número de migrantes em comparação ao total da população.

Entre os anos 1992 e 2002, o Nordeste perdeu o equivalente a 1,5% de sua população por ano para o Sudeste. Entre 2002 e 2007, a parcela dos migrantes que deixou a região a cada ano recuou para 0,98%. Em 2008 e 2009, a média caiu para 0,85%.

Para chegar a esse resultado, Romão considerou dados do estudo feito por Herton Araújo, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que avaliou o fluxo médio da migração no Brasil entre 1992 e 2009. Romão ponderou o resultado pela evolução da população em cada período.

"O que chama a atenção é que a população do Nordeste aumentou e um número menor de pessoas veio para o Sudeste", afirma o economista da LCA. Araújo, do Ipea, observa que a grande diáspora do Nordeste para o Sudeste ocorreu nos anos 90 e foi provocada pela falta de emprego, que diminuiu nos últimos anos.

"O fluxo do Nordeste para o Sudeste continua, mas não na mesma intensidade", diz o demógrafo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Fernando Albuquerque.

Viagens do sertão

Empresas que lidam diretamente com esses migrantes confirmam a mudança de tendência. A Viação Itapemirim, por exemplo, registrou nos últimos cinco anos queda de 10% no número de passageiros entre cidades do sertão e São Paulo e Rio de Janeiro. José Valmir Casagrande, diretor comercial da empresa, atribui parte dessa retração à melhora do poder aquisitivo na região.

Albuquerque, do IBGE, observa que os programas sociais estão segurando as pessoas nas cidades de origem em razão dos benefícios oferecidos. Mas Romão ressalta que a geração de postos formais de trabalho no Nordeste é o principal responsável pela retenção da população.

"O crescimento sustentado da economia, que gerou aumento da formalização do emprego no Nordeste, e o ganho real do salário mínimo, que indexa quase a metade dos salários dos trabalhadores na região, explicam a desaceleração do fluxo migratório", afirma Romão.

De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), as únicas regiões que registraram aumento da geração líquida do emprego formal de 2008 para 2009, no auge da crise, foram a Norte e a Nordeste, com crescimento de 40% e 12%, respectivamente. No mesmo período, o saldo do emprego formal no País recuou 31,5%. No Sudeste, a retração foi de 43,4%.

Dados da Pnad de 2008 revelam que 49% dos trabalhadores formais do Nordeste têm seus rendimentos atrelados ao salário mínimo. Romão destaca que, entre 2005 e 2010, o mínimo teve um ganho real de 49,7%.

Efeito no Sudeste

O recuo na migração provoca mudança também no mercado de trabalho no Sudeste. Esse é um dos fatores que contribuíram para a falta de mão obra no comércio, na construção civil e nos serviços domésticos. A tendência ainda é acentuada pela volta de muitos nordestinos que vivem no Sudeste e que retornam à terra natal, como a diarista Núbia Passos Couto (leia a história de Núbia e outros migrantes na página B3).

Um dos setores mais afetados pela queda do fluxo de migrantes é a construção. Segundo estudo do Ipea, 20% dos nordestinos que migram para o Sudeste vêm para trabalhar no setor. "A mão de obra no Sudeste está escassa e hoje está mais fácil admitir nas obras do Nordeste porque a oferta de trabalhadores é maior lá", diz o vice-presidente de Relações Capital e Trabalho do Sinduscon-SP, Haruo Ishikawa.

A maior disponibilidade de mão de obra para a construção no Nordeste aparece nos números do Caged. Nos últimos 12 meses até agosto, o Nordeste foi responsável por 35% da geração líquida de postos de trabalho na construção. Entre admissões e demissões, o Nordeste teve um saldo positivo de 116,1 mil vagas. No Brasil, o saldo foi de 331,6 mil postos de trabalho.

O quadro de falta de mão de obra afeta também os supermercados. "De cada 100 novas vagas, não conseguimos preencher 20", conta o vice-presidente de economia da Associação Paulista de Supermercados, Martinho Paiva Moreira. A queda no número de migrantes afeta especialmente a contratação de açougueiros, padeiros e confeiteiros. No passado, a maioria dos trabalhadores dessas áreas vinha do Nordeste, observa.

A própria expansão no Nordeste das redes nacionais afeta a contratação dessas mesmas companhias no Sudeste. "O mercado está aquecido em todas as regiões, mas temos tido mais dificuldade de recrutar pessoal em São Paulo e no Rio", conta a Magna Santos, diretora de Recursos Humanos do Grupo Pão de Açúcar.

Até 2005, cerca de 60% dos funcionários da empresa alocados no Sudeste vinham do Nordeste. Hoje essa fatia é bem menor. Nos últimos três anos, a rede abriu 2 mil vagas no Nordeste, o que de certa forma drenou parte da mão de obra que em outras épocas viria para o Sudeste em busca de emprego formal.

*Colunista do jornal OEstado de S. Paulo

Matéria publicada originalmente em: Economia e Negócios

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